Ronaldo pulou da
cama agitado. Tinha grandes expectativas.
Seu tio Pedro o
convidara para ser sócio da sua gráfica. A proposta era boa. Naldo – como era
chamado – não entraria com dinheiro, mas com sua experiência como designer de
embalagens. Para honrar sua parte na sociedade, iria descontar certo valor
mensal do seu pro labore, durante dois anos. E o que mais lhe
interessava: tornando-se sócio, Naldo estaria em condições melhores para obter
o financiamento que pretendia, para a compra de um apartamento maior.
Trabalhou toda a
manhã e logo após o almoço saiu direto para o escritório do contador.
– E então, Marcos?
Deu uma olhada nos papéis? Só estou dependendo de você para me acertar com meu
tio.
– Você visitou a
empresa? – perguntou Marcos, enquanto procurava a pasta no arquivo.
– Claro! Vi as
instalações. Equipamentos de ponta! Um rol de clientes fixos e várias
encomendas para os próximos meses. É bem promissora!
Marcos encontrou a
pasta e sentou-se:
– Olha Ronaldo, a
firma está bem de patrimônio, mas financeiramente vai mal.
– Como assim? Eu vi
a gráfica rodando a todo o vapor! E vi os pedidos para os próximos meses! Tem
serviço garantido por um bom tempo!
– Eu sei, mas veja
estes gráficos...
– O que têm eles?
– Eu imprimi os
gráficos da saúde financeira da empresa, com base nos papéis que me deixou.
Você pode ver por esta coluna azul e esta verde, que a empresa vai entrar logo
em dificuldades.
Ronaldo olhava para
aquele monte de colunas coloridas e não entendia nada.
– Mas mesmo com a
previsão de tantas encomendas novas?
– Veja, a não ser
que consigam uma injeção de dinheiro polpuda, posso lhe garantir que você não
foi chamado para participar dos lucros, mas para dividir despesas.
– Acha que meu tio
quis me aprontar?
– Na verdade, não.
Acho que ele agiu de boa-fé, mas não tem noção das dificuldades financeiras que
vai atravessar. Os gráficos mostram isso...
– O sonho da
gráfica desmontado por gráficos...
– É melhor saber
agora...
– Eu sei, eu sei...
– Se quiser uma
sugestão, leve este gráfico menor para o senhor Pedro.
– O que tem nele?
– Eu fiz uma
projeção simulada, no caso de vocês levantarem um empréstimo. Vê esta curva
aberta? Creio que nesse caso, conseguiriam manter a coluna da esquerda longe do
vermelho e a empresa sobreviveria. Claro, se conseguirem taxas de juros
razoáveis...
– Obrigado, Marcos.
Vou ter que conversar com meu tio...
Naldo saiu do
contador desolado, mas depois de uns dez minutos procurou levantar o moral.
Tinha marcado uma reunião com o gerente do banco, para falar do financiamento
para a aquisição do novo imóvel. Pretendia dizer que agora seria sócio de uma
empresa, mas resolveu se calar até a situação da gráfica se resolver. Quem
sabe no final tudo dá certo?
Quando chegou à
agência, Fred, o gerente, já o esperava:
– Naldo! Você parece bem! – apertando sua mão.
– Vamos levando... E então, viu as condições
do financiamento?
– Está tudo aqui. Você
tem uma renda razoável e pelo que me disse, pensei que poderia conseguir uma
taxa bem atraente. Mas puxei um gráfico no sistema que mostra que você só pode
comprometer até vinte por cento dos vencimentos, devido aos compromissos que
ainda está pagando. Veja, dá para ver bem aqui nesta coluna laranja e na
amarela.
Naldo olhou para a
folha e não entendeu nada.
– E o que significa
isso?
– Que o banco só
emprestaria a você a uma taxa de juros um pouco maior do que imaginamos. Você
teria mais cinco anos de prestações. Mas ainda assim é um bom negócio.
– Para o banco.
– Bem, você sabe,
os bancos emprestam sob certas condições e garantias...
– Eu entendo.
Obrigado, Fred. Vou pensar e te ligo.
– Sem problema.
Estou às ordens.
Naldo olhou as
horas. Quase quatro da tarde. Tinha uma consulta marcada e preferiu não se
estressar. É melhor pensar nisso mais tarde...
Com o trânsito
pesado de São Paulo, precisava ir direto para o médico se não quisesse perder o
horário. Entrou no carro e procurou apagar da mente os gráficos da gráfica e os
gráficos do banco.
Chegou em cima da hora.
– Boa-tarde, doutor
Hamilton.
– Naldo! Há tempos
não o vejo! Como tem passado?
– Bem, obrigado.
– Alguma queixa?
– Não. Nada me
incomodando. Estou em forma, me alimento bem e não sinto dores, nem palpitações.
Vim só fazer a rotina.
– Ótimo. Então
vamos aos exames. Vou deixá-lo na sala ao lado e quando seu eletro ficar
pronto você volta.
A enfermeira
colocou colantes em vários pontos e correu o eletro.
– Espere aqui. Vou levar para o doutor e já venho – disse a jovem.
Cinco minutos depois ela voltou.
– Vamos para a
esteira. O doutor que ver o ergométrico.
Depois de intermináveis
minutos de esforço, Naldo voltou à sala do médico.
– Pelo que me disse
– começou Hamilton – pensei que seus exames estariam normais. Mas veja este
gráfico: detectei uma alteração na condução elétrica ventricular.
Naldo olhou para a
tira de papel com rabiscos que subiam e desciam.
– E no seu
ergométrico há indícios de fraqueza do músculo cardíaco, para falar de forma
simples. Bem aqui. – E apontou para uns gráficos ininteligíveis.
– Isso é grave,
doutor?
– Se você se
cuidar, tomar os remédios e não abusar, poderá levar uma vida normal.
O médico prescreveu
medicações e recomendou exercícios. Pediu que ele voltasse em três meses.
Era fim de tarde.
De um daqueles dias que era melhor ter ficado na cama... Naldo lembrou-se da
cafeteria simpática no fim do quarteirão. Nada como um bom expresso para
levantar o ânimo.
Saboreava o café
quando um amigo apareceu:
– E aí, Naldo! Há
quanto tempo!
– Você que anda
sumido! Senta aí, Luiz...
– E então, como
andam as coisas?
Naldo parou por um
segundo e disse:
– Quer saber a
verdade? Pra mim está tudo bem, mas pelos gráficos, minha firma está falindo, estou
sem crédito e quase morrendo...
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