12 de mar. de 2012

Gráficos



Ronaldo pulou da cama agitado. Tinha grandes expectativas.
Seu tio Pedro o convidara para ser sócio da sua gráfica. A proposta era boa. Naldo – como era chamado – não entraria com dinheiro, mas com sua experiência como designer de embalagens. Para honrar sua parte na sociedade, iria descontar certo valor mensal do seu pro labore, durante dois anos. E o que mais lhe interessava: tornando-se sócio, Naldo estaria em condições melhores para obter o financiamento que pretendia, para a compra de um apartamento maior.
Trabalhou toda a manhã e logo após o almoço saiu direto para o escritório do contador.
– E então, Marcos? Deu uma olhada nos papéis? Só estou dependendo de você para me acertar com meu tio.
– Você visitou a empresa? – perguntou Marcos, enquanto procurava a pasta no arquivo.
– Claro! Vi as instalações. Equipamentos de ponta! Um rol de clientes fixos e várias encomendas para os próximos meses. É bem promissora!
Marcos encontrou a pasta e sentou-se:
– Olha Ronaldo, a firma está bem de patrimônio, mas financeiramente vai mal.
– Como assim? Eu vi a gráfica rodando a todo o vapor! E vi os pedidos para os próximos meses! Tem serviço garantido por um bom tempo!
– Eu sei, mas veja estes gráficos...
– O que têm eles?
– Eu imprimi os gráficos da saúde financeira da empresa, com base nos papéis que me deixou. Você pode ver por esta coluna azul e esta verde, que a empresa vai entrar logo em dificuldades.
Ronaldo olhava para aquele monte de colunas coloridas e não entendia nada.
– Mas mesmo com a previsão de tantas encomendas novas?
– Veja, a não ser que consigam uma injeção de dinheiro polpuda, posso lhe garantir que você não foi chamado para participar dos lucros, mas para dividir despesas.
– Acha que meu tio quis me aprontar?
– Na verdade, não. Acho que ele agiu de boa-fé, mas não tem noção das dificuldades financeiras que vai atravessar. Os gráficos mostram isso...
– O sonho da gráfica desmontado por gráficos...
– É melhor saber agora...
– Eu sei, eu sei...
– Se quiser uma sugestão, leve este gráfico menor para o senhor Pedro.
– O que tem nele?
– Eu fiz uma projeção simulada, no caso de vocês levantarem um empréstimo. Vê esta curva aberta? Creio que nesse caso, conseguiriam manter a coluna da esquerda longe do vermelho e a empresa sobreviveria. Claro, se conseguirem taxas de juros razoáveis...
– Obrigado, Marcos. Vou ter que conversar com meu tio...
Naldo saiu do contador desolado, mas depois de uns dez minutos procurou levantar o moral. Tinha marcado uma reunião com o gerente do banco, para falar do financiamento para a aquisição do novo imóvel. Pretendia dizer que agora seria sócio de uma empresa, mas resolveu se calar até a situação da gráfica se resolver. Quem sabe no final tudo dá certo?
Quando chegou à agência, Fred, o gerente, já o esperava:
 – Naldo! Você parece bem! – apertando sua mão.
 – Vamos levando... E então, viu as condições do financiamento?
– Está tudo aqui. Você tem uma renda razoável e pelo que me disse, pensei que poderia conseguir uma taxa bem atraente. Mas puxei um gráfico no sistema que mostra que você só pode comprometer até vinte por cento dos vencimentos, devido aos compromissos que ainda está pagando. Veja, dá para ver bem aqui nesta coluna laranja e na amarela.
Naldo olhou para a folha e não entendeu nada.
– E o que significa isso?
– Que o banco só emprestaria a você a uma taxa de juros um pouco maior do que imaginamos. Você teria mais cinco anos de prestações. Mas ainda assim é um bom negócio.
– Para o banco.
– Bem, você sabe, os bancos emprestam sob certas condições e garantias...
– Eu entendo. Obrigado, Fred. Vou pensar e te ligo.
– Sem problema. Estou às ordens.
Naldo olhou as horas. Quase quatro da tarde. Tinha uma consulta marcada e preferiu não se estressar. É melhor pensar nisso mais tarde...
Com o trânsito pesado de São Paulo, precisava ir direto para o médico se não quisesse perder o horário. Entrou no carro e procurou apagar da mente os gráficos da gráfica e os gráficos do banco.
Chegou  em cima da hora.
– Boa-tarde, doutor Hamilton.
– Naldo! Há tempos não o vejo! Como tem passado?
– Bem, obrigado.
– Alguma queixa?
– Não. Nada me incomodando. Estou em forma, me alimento bem e não sinto dores, nem palpitações. Vim só fazer a rotina.
– Ótimo. Então vamos aos exames. Vou deixá-lo na sala ao lado e quando seu eletro ficar pronto você volta.
A enfermeira colocou colantes em vários pontos e correu o eletro.
– Espere aqui. Vou levar para o doutor e já venho – disse a jovem.
Cinco minutos depois ela voltou.
– Vamos para a esteira. O doutor que ver o ergométrico.
Depois de intermináveis minutos de esforço, Naldo voltou à sala do médico.
– Pelo que me disse – começou Hamilton – pensei que seus exames estariam normais. Mas veja este gráfico: detectei uma alteração na condução elétrica ventricular.
Naldo olhou para a tira de papel com rabiscos que subiam e desciam.
– E no seu ergométrico há indícios de fraqueza do músculo cardíaco, para falar de forma simples. Bem aqui. – E apontou para uns gráficos ininteligíveis.
– Isso é grave, doutor?
– Se você se cuidar, tomar os remédios e não abusar, poderá levar uma vida normal.
O médico prescreveu medicações e recomendou exercícios. Pediu que ele voltasse em três meses.
Era fim de tarde. De um daqueles dias que era melhor ter ficado na cama... Naldo lembrou-se da cafeteria simpática no fim do quarteirão. Nada como um bom expresso para levantar o ânimo.
Saboreava o café quando um amigo apareceu:
– E aí, Naldo! Há quanto tempo!
– Você que anda sumido! Senta aí, Luiz...
– E então, como andam as coisas?
Naldo parou por um segundo e disse:
– Quer saber a verdade? Pra mim está tudo bem, mas pelos gráficos, minha firma está falindo, estou sem crédito e quase morrendo...

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