5 de abr. de 2012

As luzes da floresta

(No mês da literatura infanto-juvenil, uma história para crianças...)

– Conta mais uma história! – pediu a pequena Bruna.
Vovô Ciro cortou o queijo e sorriu ao ver a animação da neta.
Bruna se deitou na toalha xadrez que forrava a grama. Sempre montavam piqueniques às margens da lagoa. Uma fogueira afastava o friozinho da noite e eles podiam sentir no vento o aroma de grama molhada. O lugar era tão bonito que Bruna queria ficar ali para sempre!
A fazenda do vovô Ciro fica ao lado do Rio Bravo, em meio a natureza. Lá Bruna pode explorar uma floresta linda, que todos chamam de Grande Bosque! Ela também brinca na casa da árvore, monta no pônei malhado e mergulha na cachoeira. Às tardes, ela come as guloseimas da vovó Mari: bolo de cenouras cultivadas na horta, geléia de morango do pomar e doces feitos com ovos fresquinhos!
E há uma tradição: na última noite das férias, vovô conta histórias da fazenda, para Bruna ter lembranças bem vivas quando chegar à cidade grande! Naquela noite, Ciro se deu conta que sua neta estava crescendo rápido. Sentiu que era hora de lhe contar uma história especial. E começou assim...

Sabe Bruna, quando seu pai tinha oito anos viveu uma grande aventura nesta fazenda! Ele gostava muito daqui. Só tinha medo do Godofredo. Um jacaré enorme que morava no rio Bravo!
Sua avó sempre dizia:
Cuidado, Artur, fique longe do rio!
Certa manhã, ele ouviu uma conversa. O pessoal da fazenda tinha visto umas luzes no alto da mata, bem onde o céu parece ser o telhado do Grande Bosque!
Como era um menino curioso, Artur pensou em ir até lá. Caminhou pela floresta por mais de uma hora. Passou por lugares que nunca havia andado. Foi descobrindo pássaros coloridos, flores fantásticas e animais silvestres que ele nem imaginava existir!
Ele se afastou da fazenda e subiu um morro alto com árvores vistosas e muitas folhas caídas no caminho, que deixavam o chão escorregadio. Seguia distraído, empolgado com tantas novidades.
De repente, Artur tropeçou! E deslizou morro abaixo por um tobogã de folhas e lama, caindo numa gruta subterrânea! Artur pulou, pulou, mas não conseguiu subir pelas paredes e voltar à superfície.
E agora, como vou sair daqui? Tenho que dar um jeito, pensou
Ele começou a andar sujo de lama, com folhas grudadas na roupa e na pele. Poucos raios de sol chegavam à caverna e uma corrente de ar refrescava a passagem por onde ele seguia. O lugar era todo de pedra, com grutas ligadas entre si por caminhos estreitos. O chão era de lama vermelha. Ele sentia cheiro de terra molhada e de ervas parecidas com as que a vovó usa nos chás. Conforme caminhava, ouviu um ruído que ficava cada vez mais forte. Era o som de água corrente. De repente, ele viu algo bem à frente e gritou:
– Um rio! Se eu seguir por ele, posso achar uma saída!
Artur entrou no rio da caverna e foi seguindo com água pelos joelhos. E em menos de um minuto uma boca enorme e cheia de dentes apareceu na frente dele! O Godofredo! Artur se apavorou. Mas antes que pudesse fugir, ouviu um grito:
 – Tawanda! – e o jacaré fechou a boca e se afastou.
 Arrepiado de medo, ele olhou para a margem e viu um homem de cabelos longos e pretos, usando roupas velhas e agitando um cajado no ar.
O homem  perguntou:
– Quem é você e o que faz aqui?
Ainda assustado, respondeu, quase sem voz:
– Meu nome é Artur. Eu escorreguei e estou tentando sair daqui. 
– Tudo bem. Venha comigo. Deve estar com frio e fome.
Seguiram pelo rio e depois se desviaram. Fizeram uma longa caminhada até outra parte da caverna. Chegaram ao topo da montanha numa gruta com tochas acesas e uma fogueira que espalhava o cheiro gostoso de peixe assado.
Artur olhou para as tochas e pensou: Devem ser as luzes que viram na fazenda!
Ele estava certo. As tochas ficavam acesas para iluminar aquele salão de pedra. Quando o vento forte balançava as árvores que cobriam a entrada da gruta, o pessoal da fazenda via as luzes cintilando.
– Sente-se e coma alguma coisa – disse o homem. – Temos trutas e frutos.
Ficaram ao redor da fogueira, e o ancião começou a falar:
– Eu me chamo Moraska e vivo aqui. Estas terras pertenceram ao meu povo que hoje não existe mais, mas não consigo deixar este lugar. Sinto que sou parte dele. Sei que há uma fazenda lá embaixo, mas não quero que me vejam. Tenho medo de ser obrigado a deixar a caverna.
Artur ouvia com atenção. Nunca imaginou que alguém pudesse habitar aquela floresta! Mal podia acreditar na aventura que estava vivendo!
Ficaram ali conversando e as horas voaram. Falaram sobre a mata e sobre o amor que o bom homem tinha por ela. Moraska explicou:
– A natureza é um presente. Um tesouro que recebemos e devemos cuidar. Ela nos oferece tudo o que precisamos. Aprendi isso com meus antepassados.
– E o que houve com o seu povo?
Com o tempo muitos morreram e uns poucos foram para a cidade grande.
– Você não fica triste, sozinho? Não sente falta do seu povo?
Eu guardo as lembranças boas, não as tristes. E tenho tudo o que preciso, aqui.
Moraska era um homem simples. Vivia com as plantas, os animais e zelava por eles e pela terra que o acolhia. Mas uma coisa Artur não entendia:
– Como você espantou o Godofredo?
– Godofredo?
– O jacaré que ia me pegar!
– Ah! Você está falando do Kiko! Ele é selvagem, mas me obedece. Sabe que eu o respeito.
– O que quer dizer Tawanda?
– É um comando para ele não atacar.
– Esse comando foi a minha sorte!
Moraska riu e se levantou. Foi até a entrada da caverna e viu que o sol começava a baixar.
– Veja, é tarde. Devem estar procurando por você na fazenda. Precisa voltar.
Artur concordou e os dois desceram a montanha. Chegaram de novo ao rio da caverna, numa curva onde havia uma canoa amarrada a um tronco de árvore. Moraska soltou as cordas e disse:
–  Não tenha medo, Kiko o levará para casa em segurança. 
O velho homem entrou no rio, chamou o jacaré com um apito e disse algumas palavras que Artur não entendeu. Pôs a corda na boca de Kiko e em seguida voltou à margem, para se despedir:
– Você é um bom menino e foi muito corajoso! Fiquei feliz com a sua visita. Só peço um favor: Não conte a ninguém sobre mim. Este é o meu mundo e eu não saberia viver fora daqui.
Artur prometeu manter segredo, agradeceu pela ajuda e seguiu para a canoa. Mas não conseguiu ir em frente. Ele olhou para Moraska, voltou correndo e o abraçou.
Moraska retribuiu o abraço e estendeu sua mão:
–   Pegue isto   –  ele disse, dando a ele sementes com que seu povo costumava presentear os amigos. – Plante algumas se puder.
– Obrigado. Posso voltar outras vezes?
– Sempre que quiser.
Artur entrou na canoa, Kiko puxou a corda com os dentes e deslizou pelo rio até chegar à lagoa. Quando ele pulou para a margem, Kiko puxou a corda de volta e sumiu.
Artur correu para casa e viu vovó Mari na janela.
– Você nos deixou preocupados! – ela disse. – Onde esteve o dia todo? Não devia se afastar!
– Desculpe, não posso contar – ele disse, meio sem jeito.
– Você descobriu a caverna, não foi?
– Como a senhora sabe? ele perguntou com os olhos arregalados.
– Havia um povo antigo nestas terras. Às vezes vemos um homem velho entre as árvores  que desaparece misteriosamente e em certas noites há luzes na mata no topo da montanha. Imagino que ele more lá, na caverna.
 – E não se importa?
 – Não. Ele sempre esteve ali. É uma parte viva da floresta, como as plantas, os pássaros, as flores.
Aquelas palavras deixaram Artur contente. Depois de alguns dias ele voltou à caverna e contou a Moraska que vovó Mari sabia de tudo e não iria tirá-lo de lá. Mas logo tivemos que mudar para a cidade. No dia da partida, Artur parou à beira da lagoa e olhou para a montanha. Ele viu Moraska ao longe e acenou para ele.
De repente, o Godofredo surgiu com a boca bem aberta e Artur gritou:
               – Tawanda!  –  e caiu na risada ao ver o jacaré sair correndo de lá!
               –  Nossa, vovô, que história incrível! – disse Bruna, com os olhos brilhando.
               – Foi algo que seu pai nunca esqueceu. Venha comigo. Quero que veja uma coisa.
            Ciro se levantou e pegou Bruna pela mão. Entrou na sala, abriu um armário antigo, pegou um pequeno saquinho de tecido e o abriu. As sementes de Moraska.
 –  Seu pai as deixou comigo – disse ele. – Ele plantou algumas e estas estão secas. Pegue. Um dia poderá dá-las a um amigo.
Obrigada, vovô!
Era hora de dormir, mas Bruna ainda tinha uma pergunta:
– Vovô, o que aconteceu com Moraska?
Não sei. Isso foi há vinte anos! Nós mudamos para a cidade e voltamos para cá há poucos meses.
Bruna se deitou, mas o sono não veio. O vento zunia forte e as árvores balançavam. Ela foi até a janela e olhou para as estrelas. Uma paisagem linda! O céu encostava-se à montanha. Parecia ser o telhado iluminado do Grande Bosque!
Ela olhou de novo o céu e a montanha e apertou bem os olhos para ver melhor. Bem lá no alto ela viu luzes brilhando...  e pensou:
                                Não. Não são estrelas.

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