Na estrada que me levava à bucólica
vila do interior da Toscana, o trajeto sinuoso pelos Apeninos parecia me
transportar a cada quilometro a um tempo mais distante.
As vinhas em flor transbordavam de
suas fileiras e se punham a espreitar os que passavam, se esparramando pelos
acostamentos e pelas encostas próximas ao asfalto destoante, como uma paisagem
dos anos trinta. As construções mostravam orgulhosas o estilo de séculos idos
com aquela rusticidade própria e requintada. Até a luz do sol era cúmplice desse
passado tão presente. Era de um dourado antigo, como uma pátina cuidadosamente
aplicada em torno daquela paisagem.
Quando cheguei àquela cidadezinha
fui direto à velha estação de trens. Meu objetivo era muito claro e nem a fome
que começava a dar seus sinais ia me desviar dele. Como na infância, aquele
tempo em que gostamos de bancar espiões mirins, eu ia tentar desvendar um
mistério que datava de três gerações.
Não, não era nenhum tesouro
escondido, nem um mapa para uma descoberta arqueológica valiosa. O mistério era
algo mais intimo, mais pessoal.
Durante toda a vida escutei minha
família dizendo que meu bisavô enterrara em algum lugar aquilo que seria a
fórmula da felicidade. Tínhamos diversas histórias sobre isso. Alguns diziam
que ele tinha aprendido muito com os ciganos que acamparam durante dois anos
próximos as suas terras. Outros, que na infância ele tinha visões e falava com
pessoas que ninguém via. Outros ainda, que ele se tornou amigo íntimo de um
viajante que comerciava sedas indianas e que este antes de morrer lhe escreveu
uma carta revelando todos os mistérios que havia descoberto com o povo hindu.
Não posso afirmar se alguma dessas
histórias era verdadeira ou se elas realmente tinham algum fundamento, mas sei que
minha bisavó morreu lúcida. E embora ela não pudesse confirmar essas lendas, ela
não mentiria para mim.
Toda a minha família viera para o
Brasil em meados dos anos sessenta, menos minha bisavó Domênica. Ela permaneceu
naquela pequena vila toscana porque lá era o único lugar onde seria feliz. Uma
pequena vila com o tamanho do mundo.
Por uma dessas ironias do destino,
eu, que economizei vários anos para fazer uma viagem à Itália e conhecer minha
bisavó, cheguei a vê-la uma semana antes de sua morte. Parece que ela estava me
esperando para partir.
Entre outras coisas, ela disse que a
minha chegada tinha um significado especial. Ela havia prometido ao meu bisavô
que só contaria onde ele enterrara aquele tesouro a alguém da família que a
procurasse com o espírito aberto de quem quer conhecer a verdade. E nesses anos
todos somente eu preenchi tais condições.
Ela revelou que meu bisavô havia escondido aquele texto na antiga
estação ferroviária da cidade. No muro que demarcava a entrada do trem expresso
que partia para Florença. Debaixo de um tijolo frouxo à direita da pintura que
indicava a plataforma do trem.
Quando entrei no saguão central da
estação me vi envolto em um cenário de filmes. Uma abóbada central cercada por
vitrais, portões de ferro antigos e altos ladeando as duas extremidades. Guichês
de vidro jateado e bancos de ferro e madeira maciça ao longo das paredes. E o mais
impressionante é que naquele espaço ainda se podiam sentir as alegrias das
chegadas, dos reencontros, e as tristezas das partidas, com aquela sensação de
vazio no peito que parece que nunca mais vai terminar.
Dirigi-me ao muro e logo vi a
pintura que indicava o trem expresso. Com cautela, fui apalpando os tijolos e
um deles se soltou na minha mão. Retirei-o cuidadosamente e tateei o interior da
parede a procura de algo.
Um pequeno envelope pardo estava
dobrado naquele espaço oco.
Ansioso, eu o abri imediatamente e
vi uma caligrafia bonita e inclinada. Como um detetive mirim, tive uma sensação
radiante de vitória!
Comecei a ler aquelas linhas e fui
até o final sem respirar. Depois, inspirei com força, recuperando o ar do qual me privara e devolvi o papel ao seu
local de origem. Era o que meu bisavô pedia no texto que eu fizesse.
Agora posso garantir que a fórmula
da felicidade da felicidade existe.
Para não trair a confiança de meu bisavô,
não posso revelar toda a história. A de como ele descobriu a fórmula e os
detalhes da mesma.
Mas meu bisavô não me impediu de dar aos outros algumas dicas sobre a fórmula. E posso dizer que se você se dispuser a amar bastante e tiver fé, está indo por um bom caminho...
Mas meu bisavô não me impediu de dar aos outros algumas dicas sobre a fórmula. E posso dizer que se você se dispuser a amar bastante e tiver fé, está indo por um bom caminho...
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