12 de abr. de 2012

De coração aberto

Na estrada que me levava à bucólica vila do interior da Toscana, o trajeto sinuoso pelos Apeninos parecia me transportar a cada quilometro a um tempo mais distante.
As vinhas em flor transbordavam de suas fileiras e se punham a espreitar os que passavam, se esparramando pelos acostamentos e pelas encostas próximas ao asfalto destoante, como uma paisagem dos anos trinta. As construções mostravam orgulhosas o estilo de séculos idos com aquela rusticidade própria e requintada. Até a luz do sol era cúmplice desse passado tão presente. Era de um dourado antigo, como uma pátina cuidadosamente aplicada em torno daquela paisagem.
Quando cheguei àquela cidadezinha fui direto à velha estação de trens. Meu objetivo era muito claro e nem a fome que começava a dar seus sinais ia me desviar dele. Como na infância, aquele tempo em que gostamos de bancar espiões mirins, eu ia tentar desvendar um mistério que datava de três gerações.
Não, não era nenhum tesouro escondido, nem um mapa para uma descoberta arqueológica valiosa. O mistério era algo mais intimo, mais pessoal.
Durante toda a vida escutei minha família dizendo que meu bisavô enterrara em algum lugar aquilo que seria a fórmula da felicidade. Tínhamos diversas histórias sobre isso. Alguns diziam que ele tinha aprendido muito com os ciganos que acamparam durante dois anos próximos as suas terras. Outros, que na infância ele tinha visões e falava com pessoas que ninguém via. Outros ainda, que ele se tornou amigo íntimo de um viajante que comerciava sedas indianas e que este antes de morrer lhe escreveu uma carta revelando todos os mistérios que havia descoberto com o povo hindu.
Não posso afirmar se alguma dessas histórias era verdadeira ou se elas realmente tinham algum fundamento, mas sei que minha bisavó morreu lúcida. E embora ela não pudesse confirmar essas lendas, ela não mentiria para mim.
Toda a minha família viera para o Brasil em meados dos anos sessenta, menos minha bisavó Domênica. Ela permaneceu naquela pequena vila toscana porque lá era o único lugar onde seria feliz. Uma pequena vila com o tamanho do mundo.
Por uma dessas ironias do destino, eu, que economizei vários anos para fazer uma viagem à Itália e conhecer minha bisavó, cheguei a vê-la uma semana antes de sua morte. Parece que ela estava me esperando para partir.
Entre outras coisas, ela disse que a minha chegada tinha um significado especial. Ela havia prometido ao meu bisavô que só contaria onde ele enterrara aquele tesouro a alguém da família que a procurasse com o espírito aberto de quem quer conhecer a verdade. E nesses anos todos somente eu preenchi tais condições.
Ela revelou que meu bisavô havia escondido aquele texto na antiga estação ferroviária da cidade. No muro que demarcava a entrada do trem expresso que partia para Florença. Debaixo de um tijolo frouxo à direita da pintura que indicava a plataforma do trem.
Quando entrei no saguão central da estação me vi envolto em um cenário de filmes. Uma abóbada central cercada por vitrais, portões de ferro antigos e altos ladeando as duas extremidades. Guichês de vidro jateado e bancos de ferro e madeira maciça ao longo das paredes. E o mais impressionante é que naquele espaço ainda se podiam sentir as alegrias das chegadas, dos reencontros, e as tristezas das partidas, com aquela sensação de vazio no peito que parece que nunca mais vai terminar.
Dirigi-me ao muro e logo vi a pintura que indicava o trem expresso. Com cautela, fui apalpando os tijolos e um deles se soltou na minha mão. Retirei-o cuidadosamente e tateei o interior da parede a procura de algo.
Um pequeno envelope pardo estava dobrado naquele espaço oco.
Ansioso, eu o abri imediatamente e vi uma caligrafia bonita e inclinada. Como um detetive mirim, tive uma sensação radiante de vitória!
Comecei a ler aquelas linhas e fui até o final sem respirar. Depois, inspirei com força, recuperando o ar do qual me privara e devolvi o papel ao seu local de origem. Era o que meu bisavô pedia no texto que eu fizesse.
Agora posso garantir que a fórmula da felicidade da felicidade existe. 
Para não trair a confiança de meu bisavô, não posso revelar toda a história. A de como ele descobriu a fórmula e os detalhes da mesma. 
Mas meu bisavô não me impediu de dar aos outros algumas dicas sobre a fórmula. E posso dizer que se você se dispuser a amar bastante e tiver fé, está indo por um bom caminho...

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