Quando o primeiro raio de sol invadiu a penumbra do quarto, Rafael
entregou os pontos.
Chega. Isso não pode continuar assim...
Passara mais uma noite em claro e continuava sem a menor ideia de como
iria resolver seus problemas. Decidido, revirou os papeis e trastes amontoados
na escrivaninha até encontrar o bloquinho onde anotara aquele número de
telefone.
Esperou o relógio badalar oito vezes e ligou. Seu horário foi marcado.
Às onze em ponto ele chegou naquele terreno da periferia. Uma casinha
no fundo mostrava uma placa de madeira envelhecida: Mãe Cidinha. Atende com
hora marcada.
A porta estava aberta. Ele entrou, meio ressabiado, e avistou uma
mulher corpulenta, vestida de branco, sentada atrás de uma mesa coberta por
rendas brancas e por mandalas de palha colorida.
– Rafael? – ela perguntou sem mais delongas.
Ele acenou com a cabeça, constrangido.
– Se acomode, meu filho. Estava lhe esperando – e apontou para a cadeira
a sua frente.
– Um amigo me deu seu número e ...
– Não carece explicar. Diga o que lhe aperreia. Está aqui pra isso,
não é?
O olhar de Mãe Cidinha era penetrante. Parecia lhe devassar a alma.
Ele se sentiu invadido, mas ao mesmo tempo confortado.
Será que enfim encontrei alguém pra me dar uma luz?....
Ele começou a falar, meio tímido, mas decidido a ir até o fim:
– Bem, é que de dois meses para cá minha carreira travou. De repente. Eu
trabalho numa empresa importante há seis anos, dando duro. Sou gerente
financeiro. Estava na marca do pênalti para minha promoção. Meu chefe, o
Borges, disse que eu era o favorito para a direção regional, quando uma
loirinha que entrou no departamento há um ano me passou a perna. Minha vida
pessoal também emperrou. Do nada. Depois de dois anos sem sair firme com ninguém, conheci uma moça. Luana é loira, muito bonita, atraente, inteligente. Saímos quatro
vezes e fomos até minha casa duas noites. Quando tento me aproximar ou a
convido para ficar à noite, ela se afasta. Nada de intimidade. Acho que tem
algo errado comigo... Nada que eu planejo está dando certo. Preciso andar pra frente. Quero saber o que eu tenho que fazer pra mudar essa maré de azar.
Mãe Cidinha escutou tudo, atenta.
– Você quer ficar na empresa?
Quer a promoção?
– Quero. Acho que mereço
depois de tudo o que fiz.
– E a Luana?
– Não sei se é a garota certa,
mas ela parece legal.
– Vou jogar os búzios e ver o
que tem aí.
Ela separou e misturou pequenas
conchas que estavam sobre a mesa, fez uma oração silenciosa e as segurou com as
mãos fechadas. Depois, sacudiu as mãos e atirou as conchas sobre as mandalas e a toalha de renda branca.
– Olhe, meu filho, a coisa tá enrolada. A situação vai piorar antes de
melhorar.
– Piorar?
– Essa Luana não é o que você pensa.
– Como assim?
– Ela não é ela, é ele.
– O quê? Não. Não é possível. Eu teria percebido...
– Olhe, que aqui o jogo tá bem claro.
– Então é por isso que ela não quer se aproximar antes de...
– Deve ser...
– Isso não vai ficar assim.
– Calma, que tem mais. O teu
chefe tá de caso com a tal loirinha.
– A senhora tem certeza? O Borges?
– Deu nos búzios... Tá bem aqui –
e apontou para as conchas viradas.
– Meu Deus, tô perdido! Justo ele? Sempre tão formal... Nossa empresa
é muito tradicional. Nunca imaginei...
– Pois é...
– E agora, o que eu tenho que fazer?
– Vai ter que desatar os nós, filho, se quiser virar o jogo. Vá pra
casa e pense...
Ele saiu de lá atordoado.
Passados seis meses, Rafael ocupava o cargo do Borges e estava noivo
de uma bela morena. Foi almoçar com o Hugo, um amigo de infância e lhe contou
toda a história.
Hugo não se conteve:
– Isso é incrível! Como conseguiu tirar a loirinha de lá, se livrar da
Luana e pegar o cargo do Borges?
– Mãe Cidinha disse que eu tinha que desatar os nós.
– E aí?
– Você sabe, minha empresa é muito tradicional. Quando descobri o
fraco do Borges por loiras, apresentei a Luana pra ele, esperei duas semanas e comentei com a
diretoria quem ela era...
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