No abrigo do ponto
de ônibus a senhorinha lia um livro. Ela aparentava ter uns setenta anos. Uma
mulher corpulenta de meia-idade sentou-se ao seu lado. Ela chegou com uma moça
e um garoto, ambos adolescentes, que ficaram de pé.
A jovem magrinha falava
com o rapaz:
– Hoje à noite não
vou pra balada. Vou votar no paredão. E vou o ganhar o bolão da firma...
– Fizeram um bolão?
Quem teve a ideia? – perguntou o garoto.
– Eu, claro!
A mulher corpulenta
virou-se para senhorinha:
– São seus filhos?
– Só ela. Ele é um
vizinho. Ela não perde nenhum Big Brother. Vota no paredão, anota os detalhes
das provas e presta atenção em tudo. Vai se candidatar para o próximo.
Esforçada... Faz academia todo dia para vencer as provas de resistência. Está
em ótima forma! Tenho muito orgulho dela!
A senhorinha,
professora de antropologia aposentada, estava adorando. A conversa era um prato
cheio para quem passou a vida estudando sociedades e cultura...
– Que idade tem sua
filha?
– Dezoito.
– Ela estuda?
– Terminou o ensino
médio no ano passado. Mas não quer fazer faculdade... A senhora sabe como é, os
jovens se matam por um diploma e depois não conseguem trabalho...
– Entendo...
– Ela trabalha numa
sapataria, mas a chance dela vai ser esse programa... A senhora assiste?
– Não, mas ouço
falar por aí.
– Eu digo pra ela
que temos que agradecer a Deus. Na minha época uma moça da idade dela tinha
poucas chances de vencer na vida se fosse de família simples...
– É o mundo está
muito mudado...
– Mas ela é
esperta. Sabe que a seleção é difícil. Não fica contando só com isso. Fez
inscrição para ser bailarina do Faustão e Panicat... Vai tentando tudo... Mas
se ela ganhar, o dinheiro do Big Brother vai ser bem empregado! Ela tem a
cabeça no lugar. Quer comprar um apartamento e um carro. A senhora tem carro?
– Tenho um pequeno.
– E fica aqui no
ponto? Se eu tivesse carro nunca mais parava aqui... Não gosta de dirigir?
– Gosto, mas o
seletivo me deixa na porta do shopping, então me poupo de enfrentar o trânsito.
– Ah! Gosta de
comprar no shopping... Minha filha também. Chega em casa cheia daquelas sacolas
lindas...
– Na verdade não
costumo comprar muito. Vou só buscar meus óculos e passar na livraria...
O ônibus 56 se
aproximava e a mulher corpulenta se levantou. Os jovens se aproximaram da guia
e fizeram sinal de parada.
– É o meu ônibus...
– Boa sorte para a
senhora e sua filha.
–
Obrigada. O mundo ainda vai falar dela. O nome dela é Sheila! – e ao subir o
primeiro degrau se virou para trás. – Quem viver, verá!
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