25 de abr. de 2012

A mala



Foi Onório quem levantou a polêmica:
– Não era para o prefeito ter voltado hoje?
– Acho que sim – disse Edimir, cauteloso.
– O Siqueira esteve mais cedo aqui no bar e me parece que há um zunzunzum lá na Câmara. Ele não disse com todas as letras, mas essa demora do prefeito é sinal de problema – explicou Onório.
O Siqueira é da oposição. Não se pode levar a ferro e fogo tudo o que diz.
–  Ou o que não diz...
Por outro lado, como jornalista, é meu dever apurar qualquer fato que possa repercutir na nossa cidade.
É para isso que a Gazeta da Abadia conta com você há anos! – disse Onório.
Vou tomar isso como um elogio. E vou dar uma passadinha lá na Câmara...
No final da tarde o zunzunzum tornou-se um zumbido mais sonoro. Cidades como Santa Abadia têm essa característica: não há mistérios que durem mais de vinte e quatro horas. Há uma sutil e eficiente rede de comunicação entre os moradores.
No dia seguinte a manchete da Gazeta descortinava o zumbido, elevando-o à categoria de gritos: “Prefeito Lázaro desaparece!”.
A cidade de solo arenoso, como sempre, estremeceu.
A polícia e os civis organizaram grupos de busca. Ante o abalo sísmico, o bar do Onório por tradição tornou-se o epicentro de deliberações. Às quatro da tarde houve uma reunião geral. Presentes os representantes da lei, vereadores, empresários expoentes e a imprensa.
– O que temos até aqui? – perguntou Edimir, que já rascunhava o editorial para o dia seguinte.
O delegado Pedro Paulo se apressou:
– O prefeito viajou há três dias para a cidade vizinha de Mosteiro Velho. Foi com seu próprio carro para negociar a criação de uma feira regional de artes. Esteve em reuniões com o alcaide de lá e ligou para a secretária avisando que estaria de volta ontem. Ele não apareceu. O celular dele não responde. Mandamos e-mails e também não tivemos retorno. Procuramos nos hospitais da região e nem sinal dele. Nas buscas de hoje encontraram seu carro intacto numa estrada vicinal, abandonado. No carro só havia uma mala. A perícia a recolheu para ser examinada.
– Está com cara de sequestro    disse Onório.
– Não tivemos nenhum pedido de resgate – disse o delegado. – Mas ainda é cedo. Estamos vasculhando toda a área e não há nenhuma pista.
– Se não houver pedido de resgate, temos que pensar em outras opções – disse o Siqueira.
– Quais? – quis saber Onório.
– Ele pode ter sido morto – disse o delegado.
–  Ou abduzido por alienígenas – disse o Nunes, vereador da situação.
– Não vamos delirar – ponderou Edimir. – São hipóteses muito improváveis. Temos que nos ater aos fatos. A única coisa encontrada no carro dele foi a tal mala. Precisamos saber o que ela contém. Pode haver indícios ali.
– O relatório deve chegar a qualquer momento  – disse Pedro Paulo.
Passaram a discutir as alternativas e os novos planos de busca. Todos falavam ao mesmo tempo, oscilando entre preocupados e eufóricos. A torre de Babel se instalou. Não conseguiam traçar um plano coerente e já estavam aos berros quando o celular do delegado tocou.
– Estão enviando o relatório da mala  – disse Pedro Paulo, em tom triunfal.
Fez-se um silencio sepulcral.
–  Encontraram alguma bomba ou um bilhete? – perguntou Nunes, aflito.
– Não. Nada disso – disse o delegado, enquanto lia a mensagem do celular. – É uma mala de couro e tecido vermelho, com desenhos de padrões étnicos. No seu interior foram achados uma nécessaire lilás, lingeries brancas bordadas, duas taças de cristal âmbar, duas escovas de osso, pantufas atoalhadas com a letra “L” aplicadas e  um estojo para colocar maquiagens de linho floral.
– É uma mala de mulher! – disse Onório.
– Não, meu caro, é uma mala gay – disse Siqueira.
– Ele podia estar com uma mulher no carro quando desapareceu – arriscou Nunes.
                                – Vocês sabem que o Lázaro não é disso – retrucou Edimir.
                                – Não é mesmo. É daquilo... – disse Siqueira.
– Seja com homem ou mulher, uma mala dessas está mais para um encontro clandestino do que sequestro ou abdução –   disse Onório.
– Mas ele ainda pode estar morto – arrematou Pedro Paulo.
– Não achamos nenhum corpo – disse Edimir.
– Mas vão achar – disse Siqueira. – É a opção mais viável. E se ele morreu precisamos de um novo prefeito. Haverá muita agitação política por aqui...
A Babel recomeçou. Estavam todos em pleno estardalhaço, quando uma caminhonete parou em frente a estátua da praça central. Todos se viraram e viram uma figura envolta num cobertor descer do banco do acompanhante e caminhar em direção ao bar.
– Morto, é? – disse Nunes. – Então temos um Lázaro que voltou dos mortos!
– Não seria a primeira vez... – disse Edimir.
Todos correram para a porta do bar ao verem Lázaro se aproximar.
– Senhor prefeito! O senhor está bem? –  perguntou Edimir.
– O que houve? – perguntou o delegado. – Não sabíamos mais o que pensar!
Nunes puxou uma cadeira para Lázaro e ele começou falar:
– Quando voltava, peguei uma estrada vicinal para tirar umas fotos do local em que pretendemos levantar o pavilhão para a feira regional. O meu carro morreu e meu celular estava sem bateria. Caminhei um bom trecho até que um sitiante passou de charrete e me acolheu em seu sítio para pernoitar. Hoje tivemos que esperar sua caminhonete voltar da cidade para que pudessem me trazer de volta.
– Ainda bem que foi só isso – disse o delegado. – Estávamos pensando o pior.
– Agradeço a todos pelo interesse e peço desculpas por deixá-los preocupados.
– E os seus pertences? – perguntou Siqueira.
– Só levei uma valise com uma muda de roupa. Deixei com o filho do sitiante como agradecimento.
– Acho melhor levar o prefeito em casa. Depois dessa aventura ele precisa descansar – disse o delegado.
Todos se entreolharam e ninguém falou sobre a mala.
Na manhã seguinte a Gazeta de Abadia estampava na primeira página: “Lázaro ressuscitou!”. O editorial narrava o infortúnio do prefeito, mas não mencionava em nenhuma linha a tal mala.
O carro do prefeito foi consertado. Lázaro ofereceu um jantar para a cúpula da cidade em agradecimento às providencias tomadas. Estavam todos lá quando o mecânico chegou com o sedan, novinho em folha.
Todos viram quando o prefeito notou a falta de algo no veículo. Os olhares denunciavam cumplicidade.
– O quê? Vocês pegaram a minha mala? – perguntou Lázaro.
– Mandamos para a perícia – disse o delegado. – O carro só tinha as suas digitais. A mala era a única prova encontrada no veículo. Já está sendo trazida.
– Mas não temos nada a ver com a sua vida pessoal – esclareceu Onório.
– E ninguém está aqui para julgá-lo – completou Siqueira.
Lázaro franziu o  cenho, mas antes que pudesse responder, uma buzina soou. Era o prefeito de Mosteiro Velho. Doutor Liberato. O homem ruivo, alto e forte entrou pelo jardim da casa parecendo uma divindade nórdica:
– Soube o que houve e vim ver se você está bem, Lázaro!
– Estou bem, obrigado! Junte-se a nós para o jantar!
– Com prazer – disse Liberato.
O fortão era vistoso e estava preocupado com o prefeito a ponto de ir vê-lo pessoalmente. Todos se entreolharam. Ninguém disse nada, embora Lázaro tivesse lido suas mentes.
No meio do jantar, Liberato falou:
– Com tudo o que houve você não deve ter tido tempo de ir à Câmara, não é?
– É verdade – assentiu Lázaro. – Senhores, o doutor Liberato gentilmente nos enviou alguns trabalhos artesanais para serem aprovados para a exposição da nossa feira regional.
– E onde estão? – perguntou  Siqueira.
Lázaro deu um sorrisinho irônico:
                               – Estão todos na mala, é claro! 

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