26 de mai. de 2012

Nenhuma surpresa, nenhuma certeza

Passadas algumas décadas a vida já não é nenhuma surpresa. Vamos vivendo e ao longo dos anos os fatos e as reações humanas se repetem ante nossos olhos com a previsibilidade inerente às fraquezas da nossa espécie. Mudam personagens, locais, mas as circunstâncias e a trama das histórias geram ao final uma mesma série recorrente de reações e eventos.
Aquele espanto diante da vida que temos na infância –  quando descobrimos um pedacinho do mundo a cada dia –  se exaure na medida que nos tornamos mais velhos. E aí nos cansamos. Ficamos com aquele enfado de quem assiste há anos um canal de tevê tedioso –  sempre mais do mesmo.
O que vemos não nos leva a lugar nenhum. Os rostos e gestos de nossos interlocutores reproduzem as mesmas reações dia após dia. A cada ato nosso, surgem expressões faciais conhecidas, desculpas surradas, perguntas recorrentes, respostas desgastadas... E sinalizam que já vimos um pouco de tudo...
Se alguém não se adaptar a essa mesmice e quiser um novo cenário talvez precise fazer tudo diferente do que já fez. Ter interesses diferentes, conhecer pessoas diferentes, ir a lugares diferentes, amar de um jeito diferente, buscar respostas por um caminho diferente, e por aí vai.
 Mas será que isso é possível? Será que somos capazes de inovar sempre? De praticar inesgotáveis variações de nós mesmos, de criar periodicamente novos caminhos? Quem de nós, meros mortais, possui condições de trazer constantemente para este mundinho previsível algo de inédito e valioso?
Ou talvez seja o contrário.
Pode ser que a cada gesto ou reação repetida de nossos interlocutores nos caiba somente o esforço de lhes legar um novo significado. Esses eventos cíclicos, essa mesmice, seriam propulsores de mudanças a nos exigir novas formas de alavancar a vida, variando somente o olhar que temos sobre as coisas (e pessoas) já que não podemos mudar boa parte das coisas em si. Já que não podemos nos reinventar com tanta frequência, pois nossas transformações são como doces em calda: para serem completas, devem ser primeiro cristalizadas. E já que não somos capazes de buscar novos caminhos na velocidade com que um primata pula de galho em galho. 
Talvez.
É, depois de algumas décadas viver já não é nenhuma surpresa, mas ainda assim isso não nos garante como será a vida daqui por diante. Quanto a isso, a única certeza que tenho é que não tenho certeza nenhuma.

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