11 de mai. de 2012

Disputa eleitoral


Em ano eleitoral, a primeira reunião do PRND (Partido reformista da nova democracia) ia tratar da escolha do candidato que deveria concorrer à prefeitura de Santa Abadia. Havia uma cisão entre os correligionários: os mais antigos apoiavam o empresário Jonas Ribeiro e os mais jovens queriam a indicação do doutor Davi Santana. Um terceiro candidato de codinome Mané, também filiado ao partido, corria por fora na disputa, mas não tinha apoio de nenhum setor.

O vereador Siqueira, o mais antigo da legenda, resolveu abafar a polêmica entre os dois grupos e partir para uma abordagem profissional. Ele tomou a palavra na abertura dos trabalhos:
  Prezados colegas, tomei a liberdade de chamar um especialista em marketing eleitoral para nos ajudar a escolher entre os dois candidatos. Ele poderá analisar imparcialmente as qualificações de cada um. Temos dois nomes bons, mas precisamos saber qual deles tem melhores condições de se apresentar aos eleitores e cativá-los.
– E o candidato independente? Como fica? – perguntou um dos membros.
 A opinião geral é que ele não tem expressividade para nos representar   disse Siqueira.
 Como será essa escolha imparcial?   quis saber Inocêncio, um dos fundadores do partido.
  O processo é simples. Primeiro, tenho o prazer de apresentar aos senhores o senhor Bonifácio Lammas – e apontou para o homem a sua direita, de terno escuro, ar intelectual, óculos e cavanhaque  cientista político especializado em marketing eleitoral do instituto Tangentes. Ele vai conduzir a avaliação dos candidatos tomando por base os perfis e as plataformas de campanha. Sugiro que nossa assembléia fique suspensa até que tenhamos sua análise. Depois faremos a votação final.
Seguiu-se um momento de agitação nos presentes, mas todos concordaram que essa seria a melhor solução. O senhor Lammas iniciou seus trabalhos no mesmo dia numa reunião a portas fechadas com o presidente do partido e um representante de cada facção: o vereador Noronha, que defendia a candidatura de Jonas e o vice-prefeito Salém, que apoiava Davi.
– Para começar preciso dos dados dos candidatos – disse Lammas.
Noronha falou primeiro:
– Jonas tem cinquenta anos, é solteiro, engenheiro e empresário do ramo da construção civil, residente em Santa Abadia há quinze anos. Esse perfil parece trazer uma imagem sólida aos eleitores. Além do que, ele vai focar sua campanha num ostensivo plano de habitação com a construção de moradias ecológicas e de baixo custo e na ampliação da rede de saneamento básico, áreas que ele conhece profundamente.
O Lammas, circunspecto, registrava tudo em seu tablet.
Foi a vez de Salém se manifestar:
 O doutor Davi tem trinta anos, é solteiro, médico e atua no programa de saúde da família desde que veio morar na cidade há cinco anos. Ele vai priorizar as ações de saúde no município, propondo a construção de um novo hospital e diversos ambulatórios nos bairros. Acreditamos que ele passa uma imagem de renovação e de integridade que vai atrair nossos eleitores.
                              Não podemos desconsiderar que Jonas carrega o nome de um profeta e atrai a simpatia do núcleo mais religioso da cidade – disse Noronha.
                                   E Davi também lutou contra Golias. Estamos empatados – disse Salém.
                             Siqueira se apressou em perguntar:
  E então, senhor Lammas, qual dos dois seria o mais indicado?
– Gostaria de saber o perfil do terceiro candidato   ̶̶̶̶   disse Lammas.
                              Bem, a candidatura dele não está sendo levada a sério. É uma aventura   disse Siqueira.
                                 Mesmo assim é oportuno saber o seu perfil para se ter uma visão do contexto    respondeu Lammas.
                             Siqueira foi direto:
                     Bem, o Mané tem vinte e um anos, é solteiro, tem várias namoradas, quase completou o primeiro grau e no momento está desempregado. Ele quer montar a campanha defendendo a criação de um centro de lazer com piscinas, quadra poliesportiva, área para piqueniques com churrasqueiras e um palco para shows de grupos de rap, pagode e gêneros afins. O problema maior é que ele tem uma passagem na polícia por furto, embora tenha se livrado por falta de provas.
                          Lammas digitou tudo, rodou um programa no tablet e depois falou:
                           – Senhores, pela minha experiência e pelos cálculos o candidato com mais chances é o Mané.
                            O quê? Como isso é possível?     perguntou Siqueira, chocado.
                        – Veja bem, minha análise se baseia em dados concretos e também em resultados de eleições anteriores em outros locais. O Mané tem aproximação fácil com uma parte importante do eleitorado. Passa uma imagem liberal, não convencional. Tem várias namoradas. Um espírito livre. Uma fatia expressiva dos eleitores tem simpatia por transgressores engajados. Ele é o anti-herói, figura bem explorada nos filmes. O sujeito que a vida preparou para não dar certo e que vai se aventurar a virar a mesa. Sem preparo nenhum. Só com a cara e a coragem. Isso tem um apelo psicológico importante que não raro resulta nos chamados votos de protesto. E o furto não comprovado não costuma macular a imagem do político. No Tangentes conheci vários candidatos que tinham um rol de processos ou condenações significativo e se elegeram diversas vezes. Além disso, o Mané não tem muito estudo e está desempregado. É alguém que, em tese, não tem grandes chances na vida e sem qualquer experiência política anterior. Sangue novo, dizem alguns. Ele quer fazer a campanha buscando identificar-se com uma parcela crítica dos menos favorecidos. Há um segmento grande que vota por identificação da sua situação pessoal com a do candidato. Do ponto de vista do marketing eleitoral, a ideia das churrasqueiras também deve agradar a muitos. Um lugar onde podem reunir a família, os amigos, comprar algumas cervejas e passar momentos agradáveis. Mas o ponto alto da campanha é a proposta do local para shows. Pelas pesquisas anteriores do Tangentes, um contingente assombroso de pessoas adora shows! Ele quer propiciar aos eleitores justamente o que muitos gostam. Já faziam isso em Roma. Só recomendo que ele também proponha dar o pão. Grátis, é claro. Aí a vitória é praticamente certa.
                       Siqueira, Noronha e Salém, sem palavras, resolveram que seria melhor consultar as bases do partido e deram por encerrada a reunião.

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