O vereador
Siqueira, o mais antigo da legenda, resolveu abafar a polêmica entre os dois
grupos e partir para uma abordagem profissional. Ele tomou a palavra na
abertura dos trabalhos:
– Prezados colegas, tomei a liberdade de chamar um especialista
em marketing eleitoral para nos ajudar a escolher entre os dois candidatos. Ele
poderá analisar imparcialmente as qualificações de cada um. Temos dois nomes
bons, mas precisamos saber
qual deles tem melhores condições de se apresentar aos eleitores e
cativá-los.
– E o candidato
independente? Como fica? – perguntou um dos membros.
– A opinião geral é que ele não tem
expressividade para nos representar
– disse Siqueira.
– Como será essa escolha imparcial?
– quis saber Inocêncio, um dos fundadores do partido.
– O processo é simples. Primeiro, tenho o prazer de apresentar
aos senhores o senhor Bonifácio Lammas – e apontou para
o homem a sua direita, de terno escuro, ar intelectual, óculos e cavanhaque
– cientista
político especializado em marketing eleitoral do instituto Tangentes. Ele vai
conduzir a avaliação dos candidatos tomando por base os perfis e as
plataformas de campanha. Sugiro que nossa assembléia fique suspensa até que
tenhamos sua análise. Depois faremos a votação final.
Seguiu-se um
momento de agitação nos presentes, mas todos concordaram que essa seria a
melhor solução. O senhor Lammas iniciou seus trabalhos no mesmo dia numa
reunião a portas fechadas com o presidente do partido e um representante de
cada facção: o vereador Noronha, que defendia a candidatura de Jonas e o
vice-prefeito Salém, que apoiava Davi.
– Para começar preciso
dos dados dos candidatos – disse Lammas.
Noronha falou
primeiro:
– Jonas tem
cinquenta anos, é solteiro, engenheiro e empresário do ramo da construção
civil, residente em Santa Abadia há quinze anos. Esse
perfil parece trazer uma imagem sólida aos eleitores. Além do que, ele vai
focar sua campanha num ostensivo plano de habitação com a construção de
moradias ecológicas e de baixo custo e na ampliação da rede de saneamento
básico, áreas que ele conhece profundamente.
O Lammas,
circunspecto, registrava tudo em seu tablet.
Foi a vez de Salém
se manifestar:
– O doutor Davi tem trinta anos, é solteiro, médico e atua no
programa de saúde da família desde que veio morar na cidade há cinco anos. Ele
vai priorizar as ações de saúde no município, propondo a construção de um novo
hospital e diversos ambulatórios nos bairros. Acreditamos que ele passa uma
imagem de renovação e de integridade que vai atrair nossos eleitores.
– Não podemos desconsiderar que Jonas carrega o
nome de um profeta e atrai a simpatia do núcleo mais religioso da cidade –
disse Noronha.
– E Davi também lutou contra Golias. Estamos
empatados – disse Salém.
Siqueira se
apressou em perguntar:
– E então, senhor
Lammas, qual dos dois seria o mais indicado?
– Gostaria de
saber o perfil do terceiro candidato ̶̶̶̶
disse Lammas.
– Bem, a candidatura dele não está sendo levada a sério. É uma aventura
– disse Siqueira.
– Mesmo assim é oportuno saber o seu perfil para se ter uma
visão do contexto
– respondeu Lammas.
Siqueira foi
direto:
– Bem, o Mané tem vinte e um anos, é solteiro, tem várias
namoradas, quase completou o primeiro grau e no momento está desempregado. Ele
quer montar a campanha defendendo a criação de um centro de lazer com
piscinas, quadra poliesportiva, área para piqueniques com
churrasqueiras e um palco para shows de grupos de rap, pagode e gêneros afins. O
problema maior é que ele tem uma passagem na polícia por furto, embora tenha se
livrado por falta de provas.
Lammas digitou tudo, rodou um programa no tablet e
depois falou:
– Senhores, pela minha experiência e pelos cálculos o candidato com mais chances
é o Mané.
– O quê? Como isso é possível? – perguntou Siqueira,
chocado.
– Veja bem, minha
análise se baseia em dados concretos e também em resultados de eleições anteriores
em outros locais. O Mané
tem aproximação fácil com uma parte importante do eleitorado. Passa uma imagem
liberal, não convencional. Tem várias namoradas. Um espírito livre. Uma
fatia expressiva dos eleitores tem simpatia por transgressores engajados. Ele é
o anti-herói, figura bem explorada nos filmes. O sujeito que a vida preparou
para não dar certo e que vai se aventurar a virar a mesa. Sem preparo nenhum.
Só com a cara e a coragem. Isso tem um apelo psicológico importante que não raro resulta nos chamados votos de protesto. E o furto não comprovado não
costuma macular a imagem do político. No Tangentes conheci vários
candidatos que tinham um rol de processos ou condenações significativo e se elegeram
diversas vezes. Além disso, o Mané não tem muito estudo e está desempregado. É
alguém que, em tese, não tem grandes chances na vida e sem qualquer
experiência política anterior. Sangue novo, dizem alguns. Ele quer fazer a
campanha buscando identificar-se com uma parcela crítica dos menos favorecidos.
Há um segmento grande que vota por identificação da sua situação pessoal
com a do candidato. Do ponto de vista do marketing eleitoral, a ideia das churrasqueiras também deve agradar a muitos. Um
lugar onde podem reunir a família, os amigos, comprar algumas cervejas e passar
momentos agradáveis. Mas o ponto alto da campanha é a proposta do
local para shows. Pelas pesquisas anteriores do Tangentes, um contingente assombroso de pessoas
adora shows! Ele quer propiciar aos eleitores justamente o que muitos gostam. Já
faziam isso em Roma. Só recomendo que ele também proponha dar o pão.
Grátis, é claro. Aí a vitória é praticamente certa.
Siqueira, Noronha e Salém, sem palavras,
resolveram que seria melhor consultar as bases do partido e deram por encerrada a
reunião.
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