22 de abr. de 2012

Blind Justice


Meio-dia. O pessoal do escritório fazia fila na porta do elevador. Iam descendo em levas,  ávidos por pegar uma mesa no restaurante novo da quadra: a melhor comida e o menor preço. Quando o último grupo desceu, Arnaldo escorregou para a mesa do Vander e foi direto ao ponto:
Agora você vai me contar o que aconteceu. Que história é essa de você quase morrer ontem à noite?
Cara, foi bizarro. O que me salvou foi a minha obsessão.
– Conta logo, Vander, não enrola.
  Bom, você sabe que eu volto a pé da faculdade. Saio lá pelas onze e nessa hora as ruas estão tranquilas. Pra cortar cominho eu passo por aquele prédio velho da companhia de luz que vai ser demolido. Ele fica aberto e eu aproveito para evitar  os dois cruzamentos com aqueles semáforos de três tempos.
Aquele prédio é sinistro.  Você é maluco de andar por lá.
– Eu moro no bairro há anos. Todo mundo me conhece.
– Mas quase morreu ontem.
– Tá. Já entendi. Bom, eu estava bem no meio daquele corredor térreo que liga uma rua à outra. Ali não é tão escuro. Há um poste de luz bem na saída. De repente, ouvi passos atrás de mim. Virei e vi um cara alto, todo de preto, barbado, jeito de marginal e um bastão na mão. Pensei em correr, mas antes que eu dissesse algo ele falou:  Se correr eu atiro.
– Caramba, cara... e aí?
– Eu não vi nenhuma arma, mas olhei nos olhos dele e vi que não estava pra brincadeira. Eu disse logo: Calma aí, irmão, eu sou estudante, não tenho muito dinheiro, mas pode levar. Ele levantou o bastão e sussurrou: Eu não quero teu dinheiro.
– Caracoles! Ele estava drogado?
– Não parecia. Falava calmamente com uma frieza na voz de gelar os ossos. Aí eu comecei a me assustar. Se o sujeito não quer me roubar, o que sobra é pior, pensei... Medi o cara. Era bem maior que eu. No corpo a corpo eu saía em desvantagem. E além disso tinha o bastão e tal arma em algum lugar. Tentei responder, mas não consegui falar nada. Ele deu dois passos e levantou o outro braço. Eu vi que ele segurava alguma coisa na mão fechada. Ele me olhou firme e falou: Eu só quero provar uma teoria. E você vai me ajudar.
– O cara era louco!
– De carteirinha. Ele disse: Eu tenho moedas nesta mão. Se você adivinhar quantas moedas eu tenho aqui, eu te deixo ir. Se não...  Senão o quê, eu disse: ? E ele: Senão você tá morto.
– Que é isso, meu! Olha que eu não sou medroso, mas se fosse comigo acho que  tinha me borrado nessa hora...
– Pois é. Aí eu falei: Se eu adivinhar você fica na tua? Ele sorriu e falou: Vai ser o teu dia de sorte, ou melhor, a tua noite. Eu olhei nos olhos dele e perguntei: Quantas chances eu tenho? Uma, ele disse.
–  Você tá de brincadeira... O cara fugiu do hospício!
–  É, e com louco não se discute, já dizia minha avó. Pensei: se eu errar vou correr em zigue-zague que nem doido e se ele atirar vou rezar para a bala não me acertar. Então  falei: Acho que você tem doze moedas aí. Ele ficou parado e não disse nada. Fiquei branco. Estava pronto pra dar no pé como um alucinado, quando ele abriu a mão e deixou cair as moedas no chão. Eu olhei pra ele com medo de perguntar se eu tinha errado ou acertado. Aí ele falou: Joga na loteria, cara, que amanhã corre a megasena. Uma sorte dessa você não vai ter de novo. Eu nem respondi. Saí que nem um tufão de lá de dentro, só esperando o som do disparo a qualquer momento. Não olhei pra trás e só parei quando meu pulmão estava saindo pela boca, quase na minha quadra. Entrei em casa e sentei no chão. Fiquei ali respirando uns quinze minutos até o meu coração parar de metralhar.
– Vander, você é o cara mais sortudo da face da terra!
– Não sou, não.
– Como não? Manda rezar uma missa, cara, que uma graça dessa não cai duas vezes no mesmo lugar. Você acertou em cheio o número de moedas!
– Eu não acertei. Na verdade, eu corto caminho por ali porque assim consigo chegar a tempo de ver os episódios de Blind Justice. Não perco um. E no episódio da terça teve um caso assim. Igualzinho. Eram doze moedas. Aí eu saquei logo: o cara é demente, mas é fã como eu...

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