Meio-dia. O pessoal
do escritório fazia fila na porta do elevador. Iam descendo em levas, ávidos por pegar uma mesa no restaurante novo
da quadra: a melhor comida e o menor preço. Quando o último grupo desceu,
Arnaldo escorregou para a mesa do Vander e foi direto ao ponto:
– Cara, foi bizarro. O que me
salvou foi a minha obsessão.
–
Conta logo, Vander,
não enrola.
–
Bom, você sabe que eu volto a pé da faculdade. Saio lá pelas onze e
nessa hora as ruas estão tranquilas. Pra cortar cominho eu passo por aquele
prédio velho da companhia de luz que vai ser demolido. Ele fica aberto e eu aproveito
para evitar os dois cruzamentos com
aqueles semáforos de três tempos.
– Aquele prédio é sinistro. Você é maluco de andar por lá.
–
Eu moro no bairro há anos. Todo mundo me conhece.
–
Mas quase morreu ontem.
–
Tá. Já entendi. Bom, eu estava bem no meio daquele corredor térreo que liga uma
rua à outra. Ali não é tão escuro. Há um poste de luz bem na saída. De repente,
ouvi passos atrás de mim. Virei e vi um cara alto, todo de preto, barbado,
jeito de marginal e um bastão na mão. Pensei em correr, mas antes que eu
dissesse algo ele falou: Se correr eu
atiro.
–
Caramba, cara... e aí?
–
Eu não vi nenhuma arma, mas olhei nos olhos dele e vi que não estava pra
brincadeira. Eu disse logo: Calma aí, irmão, eu sou estudante, não tenho muito
dinheiro, mas pode levar. Ele levantou o bastão e sussurrou: Eu não quero teu
dinheiro.
–
Caracoles! Ele estava drogado?
–
Não parecia. Falava calmamente com uma frieza na voz de gelar os ossos. Aí eu
comecei a me assustar. Se o sujeito não quer me roubar, o que sobra é pior,
pensei... Medi o cara. Era bem maior que eu. No corpo a corpo eu saía em
desvantagem. E além disso tinha o bastão e tal arma em algum lugar. Tentei responder,
mas não consegui falar nada. Ele deu dois passos e levantou o outro braço. Eu
vi que ele segurava alguma coisa na mão fechada. Ele me olhou firme e falou: Eu
só quero provar uma teoria. E você vai me ajudar.
–
O cara era louco!
–
De carteirinha. Ele disse: Eu tenho moedas nesta mão. Se você adivinhar quantas
moedas eu tenho aqui, eu te deixo ir. Se não... Senão o quê, eu disse: ? E ele: Senão você tá morto.
–
Que é isso, meu! Olha que eu não sou medroso, mas se fosse comigo acho que tinha me borrado nessa hora...
–
Pois é. Aí eu falei: Se eu adivinhar você fica na tua? Ele sorriu e falou: Vai
ser o teu dia de sorte, ou melhor, a tua noite. Eu olhei nos olhos dele e
perguntei: Quantas chances eu tenho? Uma, ele disse.
– Você tá de brincadeira... O cara fugiu do
hospício!
– É, e com louco não se discute, já dizia minha
avó. Pensei: se eu errar vou correr em zigue-zague que nem doido e se ele
atirar vou rezar para a bala não me acertar. Então falei: Acho que você tem
doze moedas aí. Ele ficou parado e não disse nada. Fiquei
branco. Estava pronto pra dar no pé como um alucinado, quando ele abriu a mão e
deixou cair as moedas no chão. Eu olhei pra ele com medo de perguntar se eu
tinha errado ou acertado. Aí ele falou: Joga na loteria, cara, que amanhã corre
a megasena. Uma sorte dessa você não vai ter de novo. Eu nem respondi. Saí que
nem um tufão de lá de dentro, só esperando o som do disparo a qualquer momento.
Não olhei pra trás e só parei quando meu pulmão estava saindo pela boca, quase
na minha quadra. Entrei em casa e sentei no chão. Fiquei ali respirando uns
quinze minutos até o meu coração parar de metralhar.
–
Vander, você é o cara mais sortudo da face da terra!
–
Não sou, não.
–
Como não? Manda rezar uma missa, cara, que uma graça dessa não cai duas vezes
no mesmo lugar. Você acertou em cheio o número de moedas!
– Eu não acertei. Na verdade, eu corto caminho por
ali porque assim consigo chegar a tempo de ver os episódios de Blind Justice.
Não perco um. E no episódio da terça teve um caso assim. Igualzinho. Eram doze moedas. Aí eu saquei logo: o cara é demente, mas é fã como eu...
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