Lavínia tinha recém
feito nove anos. Era ingênua, mas esperta. Disfarçou a voz com um pano e ligou
para o telefone que viu no anúncio. Um rapaz chamado André atendeu e lhe passou
um endereço.
– Espere aqui na
porta que eu vou fazer o trabalho da escola com a minha amiga.
– Seu pai não gosta
que você chegue tarde.
– Mas você está
comigo!
– Eu sei. Mas temos
que voltar antes dele chegar.
– Ele não sai
daquele fórum. Vai ficar por lá até depois das sete.
– Ele é juiz. É uma
coisa importante.
– Quando minha mãe
era viva eu era importante. Ela ficava comigo... Meu pai nem liga ... Chega
em casa e não fala nada. Só vem me dar boa noite.
– Ele está preocupado com coisas do trabalho.
– Eu sei. Só com isso – e saiu do carro.
Lavínia entrou no prédio de apartamentos e tocou a campainha.
André abriu a porta
e ficou olhando para ela, meio sem jeito. Depois de uns segundos, falou:
– O que você quer?
– Vim falar com você. Eu sou a Lavínia.
O rapaz pôs a mão na cabeça e franziu o cenho:
– Você? Foi você que ligou?
– Fui.
– Mas a voz.. parecia mais velha...
– Eu disfarcei. Adultos não levam a gente a sério no telefone...
– Olha, eu não posso falar com você. Vá embora, por favor.
– Por que não pode?
– Porque eu trabalho com adultos, não com crianças.
– O anúncio é pra mulheres e eu sou mulher.
– Você é uma menina.
– Está escrito
aqui: Para mulheres que buscam companhia: Tenho todo o tempo do mundo
pra você! Quero te fazer feliz! Realizo todas as tuas fantasias! E eu sou
boa em inventar fantasias! Trouxe minhas bonecas – e mostrou a mochila.
– Meu Deus do céu!
– O quê?
– Você entendeu errado.
– Não entendi não...
– Olha você parece ser uma menina legal, mas se você ficar aqui eu
posso ter problemas...
– Com a sua mãe?
– Não! Com a lei!
– Por quê?
– Isso é ridículo... – murmurou. – Você não vai entender...
– Não se preocupe. Se for com a lei eu dou um jeito. Meu pai é juiz!
– Minha Nossa Senhora! Só podia ser comigo... Ele sabe que você está
aqui?
– Não. Meu motorista está ai na porta. Mas ele pensa que eu estou
fazendo um trabalho da escola. Eu sou esperta.
– Olha, você precisa mesmo ir embora.
– Você acha que eu
não tenho dinheiro? Olha aqui – pegou a carteira no bolso da mochila – tenho os trezentos reais.
– Eu não posso
aceitar o seu dinheiro.
– Pode sim. Eu só
quero que você cumpra o que está no anúncio. Meu pai diz que isso é direito do
consumidor!
André fechou os
olhos e suspirou. A situação estava ficando pior e a menina era decidida:
– Ok, vamos fazer
o seguinte: você não pode ficar aqui. A lei não permite crianças aqui. Que tal amanhã
a gente se encontrar no parque aí da frente? Eu te pago um sorvete, você
brinca, nós passeamos bastante e você não precisa gastar nada...
– Depois da escola?
Eu saio às cinco.
– Está ótimo.
– Você vai realizar
as minhas fantasias de graça?
– Vou tentar, mas
você não pode falar pra ninguém.
– Tudo bem. O
motorista me espera quando eu brinco no parque. Ele não vai estranhar... Mas
você vai mesmo?
– Vou. É o direito
do consumidor, não é?
– Está bem. Eu te
encontro amanhã – e se virou para ir embora.
– Lavínia! Qual é o nome do seu pai?
– Lucas Andrade
Brettoni. Por quê?
– Por nada. Até
amanhã.
Na manhã seguinte a
escrivã do fórum abre a porta do gabinete:
– Doutor Lucas, tem
um rapaz aqui que quer falar com o senhor. Ele disse que é sobre sua filha.
– Sobre a Lavínia?
Aconteceu alguma coisa?
– Não, Excelência, ela
está bem. Eu perguntei. Ele disse que quer lhe passar umas informações. Ele se
chama André.
– Mande-o entrar.
Meia hora depois,
André sai do gabinete.
Às cinco da tarde,
Lavínia está no parque procurando por André. Ela o vê chegando com uma linda
boneca de pano de vestidinho rosa e corre em sua direção:
– Puxa, você sabe
mesmo como agradar as mulheres!
– Eu também acho –
diz uma voz vinda de trás dela.
– Papai!
Lucas a levantou no
colo e a girou no ar.
– Uau! Pai! Eu
adorei! Faz de novo?
Ele a rodou mais
duas vezes, depois a pôs no chão, se abaixou e a abraçou:
– Filha, me
desculpe.. A mamãe faz muita falta pra você e pra mim... Eu fiquei sem saber o
que fazer, mas... eu prometo que de hoje em diante vou tentar realizar todas as
tuas fantasias!
– E o André pode
ser meu amigo, também?
– Ele já é seu
amigo.
– Puxa pai, bem que você falou.. Esse direito do
consumidor funciona mesmo...
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